Todo dia é uma oportunidade de recriar a nossa história.
- Raigil Rosas
- 23 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de jan.
O diário de uma professora e artesã que ainda sonha mudar o mundo.

“Antes que o homem aqui chegasse / Às Terras Brasileiras / Eram habitadas e amadas / Por mais de três milhões de índios / Proprietários felizes / Da Terra Brasilis.” Jorge Bem (1982)
Gentê! Não resisti. Preciso dividir com vocês a minha vergonha alheia. Acredita que um dos descendentes da Coroa Portuguesa declarou que deveríamos trocar o feriado de Tiradentes pelo dia da chegada dos portugueses ao Brasil? Onde mesmo essa figura vive? Onde estudou? Aliás, o que está pensando? Talvez uma nova tentativa de apagamento da história de nossa construção sócio-política e cultural. Virou moda, né?!. Só pode ser isso! Quem sabe voltar à monarquia... Oh céus!
Então, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) - que pelo nome já podemos supor que descende da família imperial brasileira e que, confirmo a vocês, ele quer ser um príncipe sim, já que o título nobiliárquico foi extinto – propôs a alteração do feriado nacional de 21 para 22 de abril, uma vez que os dois dias seguidos são inviáveis economicamente. A justificativa dele se dá pelo reconhecimento da legitimidade histórica e da relevância para a constituição da identidade nacional, o que claramente discordo. Reconhecer a data como um marco nacional seria, para mim, o mesmo que desculpar as tiranias trazidas pelos antepassados portugueses ao nosso convívio. Pior, esta não é a única proposta “inovadora” que ele apresenta. Parece que a preocupação em relação à população de São Paulo, ou do restante do país ao qual representa, está distante das reais necessidades de nossa gente.
Vumbora pensar um tiquinho, tá? Tempos atrás estive presente nas comemorações dos 500 anos do Brasil lá em Ilhéus/BA (claro que estava ao lado dos manifestantes, não dos convidados). Ainda estou rindo do fiasco da caravela que quase afundou, ou afundou, não lembro – precisa consultar o Google, o fato é que ela não chegou no litoral da cidade conforme previsto na agenda comemorativa. O que recordo muito bem é a ideia que minha galera tinha para reimprimir a história com as novas análises de documentos, entre elas a clareza de que não fomos ‘descobertos’, pois já se sabiam da existência de terras além mar; também de que o processo de colonização foi um dos mais trágicos porque pautava a escravidão ou morte como seu principal instrumento. Até pela leitura da carta que Pero Vaz Caminha enviou ao Rei Dom João VI, aquela que está em um Museu lá em Portugal e que estudamos como primeiro documento escrito em terras brasileiras, dá para perceber que a descrição aponta tudo que poderia ser explorado para enriquecimento da Coroa, além de uma relação complexa entre os indígenas e os marinheiros. A forma como descrevem os nativos está próxima de quando olhamos para os turistas estrangeiros em nossas praias, um ser fora de contexto. E isso só acontece porque olhamos com os nossos olhos, costumes, condições sociais e econômicas. Não existe o respeito às diferenças e o desejo em aprender. Ou a infeliz ideia de que Bentinho era ‘o cara’ e foi traído por Capitu, na obra machadiana Dom Casmurro, porque fomos seduzidos pela narrativa dele e não percebemos a personalidade sufocante do rapaz.
Outra situação que merece nossa atenção está na representatividade do dia 21 de abril, ao recordar uma personalidade que contribuiu para a criação da República Federativa do Brasil: o Tiradentes. Diferente do que propõe o caro deputado, esse moço, o inconfidente Joaquim José da Silva Xavier, participava de um movimento separatista em Minas Gerais, que entre outras coisas pedia a total independência dos portugueses. Àquela época haviam implantado a derrama que afetava a economia local, pois os mineradores eram obrigados a completar o valor dos impostos com seus bens (só assim para a elite se mexer e participar de uma revolução), mas nem todos compreendiam isso. Preso e torturado, Tiradentes não entregou seus parceiros, mas foi o único que assumiu os ‘crimes’ pelos quais era acusado, então recebeu a pena mais severa da época e foi enforcado, decapitado e esquartejado. Mesmo sendo reprimida pela corte portuguesa, e ter sido um processo incitado pela elite e por interesse da manutenção de suas riquezas, é um fato que contribuiu para o Brasil que conhecemos.
Mesmo assim, ainda tenho um questionamento. Dias antes, o reconhecido Dia do Índio, e que não é feriado nacional, foi marcado com manifestações por todo o país nas redes sociais pedindo a demarcação de terras indígenas e divulgando os assassinatos de membros das tribos e de ambientalistas. Conheci algumas dessas pessoas, saudade delas, e escutei inúmeros testemunhos de outras tantas sobre as invasões nos territórios indígenas semelhante à chegada das caravelas portuguesas no litoral brasileiro. Consideram, os invasores, aquelas terras improdutivas e necessárias para a economia do país. Chamam de improdutivas porque mantêm a mata nativa, respeitam a fauna e flora local, pois somente retiram dali aquilo que necessitam, e ‘de quebra’ contribuem para a conservação de alguns hectares de floresta; diferente da limpeza do ecossistema para a plantação da monocultura, de pastos para um gado ou da exploração das riquezas sem a observação do equilíbrio do meio ambiente.
Verdade seja dita: defender a alteração de um feriado por vaidade é o cúmulo dos absurdos de um representante do povo. Faz-se necessário o reconhecimento da função desses eletivos para que possamos acompanhar seus passos na casa do povo. Também, um pouco mais de interpretação de textos nas escolas, com o olhar crítico apurado, para poder interagir socialmente e contribuir com a manutenção da Constituição Federal Brasileira em favor do coletivo. Estudar História do Brasil, a partir de várias fontes, faz com que se perceba melhor quem se tornará representante dos interesses da população e quem defenderá apenas a própria carteira. Pensei aqui, que tal interagir melhor nas aulas?
Palavras-chaves: Autocuidado. Distanciamento Social. Educação. História do Brasil. Professora. Redes Sociais.
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